domingo, 19 de setembro de 2010

Devo acreditar no Pr. Piragine e aceitar que a igreja deve ter predileções ou rejeições entre partidos políticos?

Tem circulado na internet um vídeo que trata do posicionamento político de um pastor, chamado Pascoal Piragine. Seu discurso, claramente político e com pouquíssima argumentação religiosa (como deveria ser a de um pastor), chama a atenção por se posicionar não contra a política ou contra a corrupção, mas apenas contra um único partido político em específico. Muitos pastores têm assistido a esse vídeo e, sem uma análise mais profunda ou pesquisa sobre o tema, tem reproduzido as mesmas críticas parciais de Piragine em suas igrejas, a exemplo do que fez o pastor de minha igreja local no último domingo. Por isso, pesquisei um pouco melhor sobre tais assuntos, assisti ao vídeo em questão, e mandei um e-mail a ele sobre as parcialidades desse vídeo, e-mail com o qual ele concordou quase que integralmente. Dada a importância do tema, publico aqui os trechos principais do e-mail, para que aqueles que lerem também possam ser melhor esclarecidos e terem base para formarem opinião, ao invés de aceitarem uma opinião previamente manipulada, como a de Piragine. Confiram abaixo o texto do e-mail:

“Em face de tudo o que o senhor falou no último domingo sobre política, gostaria de fazer algumas considerações, baseadas no que ouvi e do que tenho conhecimento, até para que o senhor tome nota de fatos talvez não conhecidos. Creio que ao terminar de ler, o senhor poderá formar uma opinião mais fundamentada sobre os temas abordados e Deus poderá falar com o senhor sobre a veracidade das coisas que lhe direi.

Em primeiro lugar, fiquei feliz de ver o senhor chamando a igreja a se posicionar nas eleições. A igreja não pode mesmo ser massa de manobra de ninguém, tem que saber votar, escolhendo homens de Deus, que vão defender aquilo que nós cremos, e não os interesses de uma geração corrompida.

Todavia, vi que as criticas do senhor foram contaminadas por certa parcialidade. A mesma que vi num vídeo que tem circulado pela internet, do Pr. Piragine, do Paraná. Por isso, acredito que o senhor tenha visto esse vídeo e baseado suas críticas, ao menos em parte, pelo que esse pastor disse. Portanto, quero falar de alguns equívocos que esse pastor paranaense cometeu, e que inclusive deverão levá-lo a responder por isso diante da Justiça.

Primeiramente, fiquei “com o pé atrás” ao ver que esse pastor disse estar fazendo parte de “um movimento de católicos e cristãos, contra a iniquidade”. Isso, pelo menos para mim, soou estranho. Não é bíblico que estejamos unidos a outras religiões. Os apóstolos não se associavam às religiões romanas, e deveríamos ser como eles. Para mim isso soou estranho por cheirar ao chamado “movimento ecumênico mundial”, que tem unido pessoas que deveriam ser tão diferentes, como o papa atual e seu predecessor e um dos nomes em evidência no cristianismo internacional, Rick Warren, que é apenas um dos lideres cristãos mundiais envolvidos. Movimento esse que parece estar levando muitos a uma direção de aceitação de uma “religião mundial” que a Bíblia menciona. Todavia, não estou aqui para falar disso. Maiores informações e com maior propriedade, sobre esse assunto, podem ser lidas em http://www.espada.eti.br/n1606.asp, http://www.espada.eti.br/n2311.asp e http://www.espada.eti.br/rc145.asp.

Em seu vídeo, Piragine comete um estranho erro. Ele erra ao conceituar erroneamente a palavra “iniquidade”. A própria Bíblia trata da iniquidade pelo seu sentido denotativo, de injustiça (ver Sl. 14:4, Hb. 1:9 e II Ts. 2:12), e não de “costume com o pecado”, como ele quer dizer. Isso tanto é verdade que ele não cita nenhum versículo sobre tal palavra. A iniquidade, como injustiça social, é que deveria ser tratada de forma mais delicada em nosso pais, o 3º em desigualdade social em todo o mundo.

Sem abrir a Bíblia, Piragine usa como principal artifício um vídeo que já circulava na internet, sobre as imposições do PNDH-3, e o direciona levianamente para atingir o PT. Digo levianamente porque ele usa de um vídeo para o fim que lhe apraz, sem informar o porquê do vídeo ter sido feito. Creio que o senhor sabe o que é esse PNDH-3, mas falarei algumas coisas que talvez o senhor não conheça a respeito.

O programa nacional de direitos humanos é uma carta de intenções, que foi formulada no primeiro mandato do governo FHC, e recebeu nova formulação agora, estando em discussão no Congresso Nacional. O que pouca gente sabe é que em 1993, uma senadora do PSDB, suplente de FHC (que saiu em 1992 para ser Ministro de Itamar Franco antes de suceder o mineiro na presidência), apresentou projeto tentando legalizar o aborto, desde 1993. A suplente, de nome Eva Blay, apresentou o Projeto de Lei no Senado n° 78/1993, revogando todos os artigos do Código Penal que criminalizavam e penalizavam a prática do aborto. Projeto esse que, graças a Deus, não foi aprovado.

O PNDH II (íntegra aqui), também assinado em 2002 por FHC (e não por Lula) previa ampliação dos casos de aborto legal, na página 16, defendendo a ampliação da legalização do aborto, da forma:

179. Apoiar a alteração dos dispositivos do Código Penal referentes ao estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude e o alargamento dos permissivos para a prática do aborto legal, em conformidade com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no marco da Plataforma de Ação de Pequim.

Assim, culpar o PT por tentar legalizar o aborto é uma acusação infundada, imputando a esse partido algo que foi iniciado no governo de FHC, pelo seu partido, que também é o de José Serra. O mesmo José Serra que, enquanto ministro, editou atos normativos regulando a interrupção de gravidez nos órgãos de saúde pública (http://www.cfemea.org.br/pdf/normatecnicams.pdf). O PNDH-3 é apenas o desdobramento de uma política internacional (Plataforma de Ação de Pequim), com a qual FHC se comprometeu pelo país e Lula simplesmente, querendo ou não, em nome do bom senso, é obrigado a concordar, para que as relações internacionais e a confiança do país não sejam estremecidas no exterior.

O pastor paranaense diz ainda que 2 deputados foram expulsos do PT e que nenhum deputado do PT pode votar contra o aborto. Mente em ambos! Os deputados citados foram apenas suspensos e se desligaram do PT por opção própria, para se juntar ao PV. Além disso, o Estatuto do PT assegura ao filiado o direito de se desvincular de decisão coletiva por motivo de convicção religiosa. Isso está no inciso XV do artigo 13 do estatuto do partido, em que consta:

“Art. 13. São direitos do filiado:

XV – excepcionalmente, ser dispensado do cumprimento de decisão coletiva, diante de graves objeções de natureza ética, filosófica ou religiosa, ou de foro íntimo, por decisão da Comissão Executiva do Diretório correspondente, ou, no caso de parlamentar, por decisão conjunta com a respectiva bancada, precedida de debate amplo e público.”

Além disso, o pastor diz ainda que o PT se posiciona a favor do direito da mulher de ter garantida a interrupção da gravidez. Isso é verdade. A posição da PT é essa, mas não obriga os deputados a votarem assim, como mostrei anteriormente. Aí qualquer pessoa pode pensar que se o PT é assim e o próprio PSDB foi quem preparou o caminho na via nacional e na internacional rumo à legalização do aborto, o jeito é votar na Marina, do PV. Mas isso pode ser em um ledo engano, já que o programa de governo do PV (disponível em www.cdlimperatriz.com.br/pvimperatriz/programapv.doc) defende claramente:

- A liberdade sexual e o homossexualismo (quando cita “defender a liberdade sexual, no direito do cidadão dispor do seu próprio corpo e na noção de que qualquer maneira de amor é valida e respeitável”)

- O aborto (pois no tópico 7 de seu programa defende a “legalização da interrupção voluntária da gravidez”, assim como o PT)

- A legalização controlada das drogas (pois em sua plataforma o partido diz que “uma nova política internacional provavelmente passará pela legalização e fornecimento, controlado pelo Estado, como forma de solapar e inviabilizar economicamente os grandes cartéis da droga”)

O que se conclui é que os 3 candidatos a presidente estão, direta ou indiretamente, ligados a iniciativas e/ou a partidos pró-aborto e pró-homossexualismo. José Serra inclusive já se disse favorável a tal casamento, e inaugurou hospitais próprios para travestis em São Paulo como governador. É por isso que entendo que a igreja não deve se posicionar contra esse ou aquele partido, ou contra esse ou aquele candidato, pois todos os que alçam a presidência, mostraram, cedo ou tarde, que não têm compromisso com o evangelho.

Pegar o PT de Lula como bode expiatório para tentar ganhar eleição é um filme reprisado de sessão da tarde. Os mais adultos como o senhor, pastor, certamente se lembram de 1989, ano em que as igrejas do Brasil em massa apoiaram Collor, sob o boato de que, se vencesse, Lula ia fechar as igrejas, perseguir os cristãos, mudar a letra do hino nacional, dentre tantas outras acusações. Por isso, diversos pastores famosos rejeitaram de púlpito o PT e apoiaram Collor. O resultado disso não tardou. Todos nós vimos o que Collor fez em poucos anos no Brasil e como ele terminou seu mandato, sendo obrigado a sair pela porta dos fundos do Planalto após ter lesado milhões de brasileiros e a economia do país. Vimos também, mesmo em face dessas acusações, como Lula entrou em 2003 e pegou um país que, mesmo tendo privatizado suas principais estatais no governo anterior, estava com altos níveis de desemprego e influenciado pela crise da Argentina que abateu também o Brasil, fazendo com que FHC não conseguisse fazer a sucessão.

Lula pegou o Brasil estagnado em 2003 e deixa o país agora, em 2010, ao fim do seu mandato com os mais altos níveis de aprovação popular da história de um presidente, fruto de um crescimento econômico e social que melhorou a vida de muitos brasileiros. De um país sem esperança, para um país que está bem visto lá fora e sendo contado para ser o próximo país a entrar no grupo dos países desenvolvidos. Assim, os frutos de Collor, FHC e Lula, falam por eles.

Eu não voto em Lula, e sim em Marina. Mas reconheço que Lula fez uma boa gestão como presidente. O PT merece ser criticado, mas como mostrei aqui, naquilo que o PT é combatido, os demais partidos também carregam características comuns. Por isso, por esses partidos serem todos tão semelhantes entre si, entendo que a igreja não é melhor lugar para criticar esse ou aquele partido, pois criticar um, subentende-se ser favorável ou estimular o voto ao outro. E o apoio de uma igreja a políticos não pode ser nominal, como faz Piragine, que estabelece o terrorismo para impor suas convicções, usando a igreja como massa de manobra, através de mentiras. Piragine, que foi procurado pela imprensa no Paraná após a publicação de seu vídeo, recusou-se a dar entrevista ou sequer a emitir uma nota, sob a desculpa de que estaria saindo em viagem, o que prova não ter ele agido de forma prudente ao falar do PT pois, se tivesse razões para tanto, teria se pronunciado com provas do que diz.

Reitero, pastor, que não voto em Dilma em 1º turno e não sou petista ou partidário de qualquer partido político. Falo como um servo fala a um superior quando o vê em erro. Sou contra qualquer união entre religião e Estado, pois isso sempre fragiliza a confiabilidade da igreja a longo prazo. Parece-me que Deus sempre permite que as fraquezas de políticos que se dizem cristãos sejam expostas, para que as igrejas entendam que apenas Cristo, e não homens, merece nossa plena confiança. Que aprendamos isso, como igreja, antes da eleição.

Convido o pastor a refletir e verificar as fontes e inclusive assistir vídeos relacionados no YouTube. Estou na nossa igreja pois sempre a admirei como uma igreja que nunca se envolveu com política, mantendo-se sempre fiel a sua visão. Uma igreja que não é levada por ventos nem pela pregação da moda, como essa desse pastor paranaense. E espero que a nossa igreja assim permaneça. Deve-se incentivar o cristão a votar com prudência, mas sem manipulá-lo a ir contra um ou outro partido, pois todos fazem parte de um jogo, de idéias praticamente iguais, que quase nunca divergem em pontos essenciais. É engano pensar que existe um partido melhor do que outro. É preciso ter sabedoria de não se posicionar de púlpito, pois rejeitar o PT, é, na atual conjuntura, concordar com PSDB, de homens como FHC, Marconi Perillo e Aécio Neves (ambos conhecidos por sua truculência contra seus opositores, a exemplo de Jorge Kajuru). Por isso, entrar em política é pisar em terras movediças demais e compromete todos aqueles que o façam.

Que Deus fale com o senhor e que Ele te use para falar à igreja, no próximo domingo, algo realmente imparcial e de acordo com a soberana vontade d’Ele, e não apenas reproduzir suas impressões sobre um vídeo que o senhor tenha visto e achado que parece verdade, pois a verdade não estará sempre na boca de todos os pastores, mas sim na Palavra de Deus, que nos dá o exemplo de Daniel, que sequer comeu daquilo que vinha dos “políticos” da época.”