domingo, 31 de janeiro de 2010

Você entrega o dízimo?

Sim, certamente você já ouviu essa pergunta. A entrega do dízimo, como a décima parte daquilo que se recebeu como renda num determinado período, é uma das práticas mais antigas já entre os semitas, povo que servia a Deus no Velho Testamento bem antes das leis de Moisés. Prática que é bastante comum até hoje, inclusive no meio das igrejas cristãs, mas que envolve grande polêmica, como é comum em todo e qualquer tema que toque na (para muitos) delicada questão chamada DINHEIRO!

Diversos argumentos, extraídos ou não da Bíblia, são utilizados para justificar sua entrega. Um dos principais é o de que o dízimo é uma ordenança de Deus aos seus filhos, para que estes, entregando-o, provem assim a Ele que dependem somente d’Ele e que não amam o dinheiro mais do que a Deus (1 Timóteo 6:10).

Além disso, algumas igrejas afirmam categoricamente que os que não o entregam estão dando legalidade a demônios e roubando de Deus! Afirmam ainda que aqueles que o entregam, podem “provar” a Deus para que vejam que certamente receberão toda sorte de bênçãos. Para tais afirmações, pegam como base principalmente os versículos a seguir:

“Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação. Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes. E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos.” (Malaquias 3:8-11)

Esse trecho é tão repetido no nosso meio que até mesmo quem freqüentou uma igreja por não muito mais que um mês já o ouviu.

No meio de tudo que é dito e que foi citado aqui, surge a seguinte questão: até onde essas afirmações são verdade e o que é invenção humana? Vamos aferir isso, a partir de 4 afirmações feitas à luz da Bíblia.

1º O Dízimo foi uma ordenança ao povo de Deus do Velho Testamento: Como já dito, essa é uma prática milenar. A primeira vez que o dízimo aparece na Bíblia é em Gênesis, com o patriarca Abraão (Gênesis 14:20). Ao longo do Velho Testamento, vemos que não só ele, mas dali em diante, os outros povos também o entregaram. A título de exemplo, podemos citar os contemporâneos dos filhos de Levi (Números 18:21) e os que viveram no reinado de Salomão (2 Crônicas 31:5).

Assim, o dizimo têm uma legitimação, como prática, por todo o Velho Testamento, pois aparece desde Gênesis e é recomendado até em Malaquias, último livro do Velho Testamento.

Entretanto, o dízimo não aparece como recomendação aos cristãos no Novo Testamento!

2º As conseqüências de não se entregar o dizimo são para os judeus, não para os cristãos: A respeito do dízimo, há promessas para os que o entregam e duras repreensões para os que não o entregam, dentro do Velho Testamento. Nessas passagens, Deus promete aos filhos de Israel que abençoaria aqueles que obedecessem aos seus mandamentos e entregassem o dízimo. Os versículos de Malaquias 3, citados em vermelho anteriormente, é de aplicação aos judeus, a todos aqueles que se submetem ao jugo da lei.

O fato do dízimo não aparecer como ordenança no Novo Testamento, e de aparecerem nele disposições diferentes a respeito das contribuições, mostra que o dízimo não é uma obrigação dos cristãos. O próprio capítulo 7 de Hebreus, que também é muito citado por aqueles que defendem sua obrigatoriedade, nos exime das imposições da lei (Hebreus 7:12).

3º As contribuições no Novo Testamento são voluntárias, não decorrem de lei: O fato de não haver lei no Novo Testamento, impondo um valor fixo de contribuição para os cristãos, não quer dizer que é indiferente para Deus se o cristão é ou não fiel em suas contribuições.

O fato do dízimo não ser para nós uma exigência, demonstra que nós somos mordomos daquilo que recebemos pela graça de Deus. E, mais do que isso, somos ainda mais abençoados por não estarmos limitados a uma porcentagem para oferta. Mas se não há um valor percentual obrigatório, há duas ordenanças: a de que cada um contribua financeiramente para a obra de Deus e a de que essa contribuição seja conforme aquilo que a pessoa propôs em seu coração. Assim, deve haver um compromisso de dar e o de que essa doação seja algo constante (ou crescente), para que assim demonstre o compromisso daquele que entrega sua contribuição.

“Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria.” (2 Coríntios 9:7)

4º O Novo Testamento não impôs o dízimo, mas também não aboliu a contribuição proporcional.

“No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que não se façam as coletas quando eu chegar.” (1 Coríntios 16:2)

Veja que a recomendação de Paulo para os cristãos é a de que se faça uma contribuição proporcional. Não necessariamente de 10%, mas que cada um contribua de acordo com aquilo que lhe foi dado por Deus.

Isso vai ao encontro de algo que é um princípio bíblico (Lucas 12:48): a quem Deus dá pouco, Ele requer pouco. Mas pede muito àqueles a quem muito é dado.

É evidente que não vivemos mais sob o jugo da lei de Moisés. Mas isso não faz com que a oferta que venha a ser dada a Deus não deva se submeter a certos princípios, como os citados aqui, de que a oferta deve ser proporcional e ser constante, não-eventual.

Mas se o dízimo não é uma prática obrigatória para nós, surge outra pergunta: é errado uma igreja pedir o dízimo? Não. Contando que ela não o imponha como obrigação aos fiéis, nem apele a extremos, como acusar de ladrão os que não o fazem, não devendo ir além de uma postura que apenas sugira o dízimo como uma contribuição voluntária.

O dízimo não é “a regra”. Mas também não é errado entregá-lo. Há pessoas, dentre as quais me incluo, que há vários anos entregam 10% dos seus salários na igreja, além das ofertas. Essa prática é correta, desde que você não esteja “pagando pra ver” Malaquias 3 na sua vida, como se estivesse querendo negociar ou provar a Deus. Desde que também sejam esses 10% o valor que você propôs no seu coração (2 Coríntios 9:7). E se temos um propósito de contribuir determinada proporção de nosso salário, e deixamos de fazê-lo em alguns meses onde a situação financeira “aperta”, também incorremos em grave erro, pois estamos, nesses meses, descumprindo com aquilo que nós mesmos propomos e agindo de forma leviana em nossos compromissos com Deus (Jeremias 48:10). Fidelidade é um princípio que envolve constância. Não é fiel o marido que honra seus compromissos com a sua esposa em apenas 364 dias no ano, assim como não é fiel aquele que não cumpre o que propôs em determinados meses do ano, sob a desculpa de pagar suas dívidas, já que os compromissos feitos com Deus são maiores e mais importantes do que os que fazemos com homens.

Além disso, sinceramente não acredito que Deus se agradará que os que sempre entregaram dízimo, deixem de fazê-lo ou o reduza simplesmente porque um dia descobriram que não se trata de uma obrigação.

Talvez por isso Cristo não impôs valores mínimo ou máximo das contribuições: pra ver o quanto aqueles que se dizem ser seus servos estão dispostos a contribuir e o quanto eles ainda estão presos ao sedutor poder do dinheiro.

A lição do Cristo do Novo Testamento nunca foi a do legalismo e da imposição, mas da liberdade (2 Coríntios 3:17). Mas uma liberdade que não há de se confundir com o liberalismo de um coração avarento, mas com a mais ampla generosidade, como aquela ensinada por aquele que deu até a sua própria vida por seus irmãos, e que nem mesmo se preocupou em providenciar para si uma cama para dormir, tamanho era o seu desprendimento àquilo que era material (Mateus 8:20).

4 comentários:

Unknown disse...

Muito bom seu artigo Nilsinho. Deus te abençoe amado!

Anônimo disse...

Olá, Nilson. Concordo com o seu texto, e confesso que pensei nesses assuntos por esses dias. Mas ainda estou com uma dúvida, e se o senhor puder me auxiliar, certamente, lhe serei grato: acredito que não devemos depositar nossa contribuição no gasofilácio para pagar o salário de alguém, mas sim para o emprego direto no trabalho social entre os que são da fé e entre os que estamos tentando alcançar. O que o senhor acha disso? Obrigado!
Fernando

Nilson Júnior disse...

Fernando, nessa questão minha opinião diverge da sua. A Bíblia diz que digno é o obreiro do seu salário (I Tm. 5:18). Paulo foi sustentado pela igreja (II Co. 11:8). Por isso aquele que se dedica em tempo integral à obra de Deus na igreja merece ser sustentando por ela.

Anônimo disse...

Olá Nilson, a paz!


Muito interessante o seu conceito! Gostei! Portanto, gostaria de convido o amigo - e os demais - a ler um TCC acadêmico/teológico sobre o "dízimo" que está postado no site [ www.reformaja.org ] no link "arquivos": A sombra do Templo no Dízimo e na Igreja.

Também acreditamos que o material produzido faça parte do vosso ambiente de estudo e análise. Por esta razão, leia a pesquisa até o fim se for possível, pois o desenvolvimento do texto é realmente desafiador.

Ps. Lá existe um tópico que aborda também o evento em I Tm 5.18 e II Co 11.8

Um grande abraço!